sábado, 3 de abril de 2010

TERREIROS E ABIÃS

Como devo me comportar?

O que posso fazer?

Será que me comporto mal?

Qual a conduta mais correta?

São dúvidas que assolam muitos iniciados, principalmente aqueles que caem de pára quedas na religião, que entram por amor ao orixá, mas que nunca se deram ao trabalho de analisar e avaliar o local de culto, as pessoas nesse local e principalmente aqueles que não sabem como funcionam as coisas naquele ambiente.

A ausência de uma orientação acerca da conduta nas casas de santo pode gerar diversos problemas, primeiro entre as pessoas e fatalmente a casa sofre com isso. Outro dia o Baba Fernando comentou “candomblé (no sentido de terreiro) é lugar de função, todo bom zelador deve ter uma equipe preparada para detectar problemas de relacionamento entre as pessoas”. Não foram exatamente essas as palavras, mas era essa a idéia, e então quando paramos para analisar a frase, a orientação de um zelador bem preparado, reflete numa casa bem administrada. Não é que não se possam fazer amizades, mas aquele local e aquele momento que você dedica para estar naquele local são sagrados. Não devemos nos desviar do objetivo.

Estamos numa casa de axé para cuidar de nosso Orixá/Vodum /Inkisse, estamos para aprender mais sobre essa cultura fascinante e na qual a maior parte das pessoas não nasceu, mas como foi iniciado (a) deve passar a adotar medidas e comportamentos coerentes com aquela cultura. Estamos para aprender e quem sabe um dia ensinar aos mais novos. Existem tantas coisas a serem exploradas numa casa de axé, tanta coisa para aprender com o zelador, com os mais velhos dispostos a ensinar, porque tanta gente perde tempo se desviando daqueles que podem realmente nos acrescentar?

Porque nos falta o hábito de observar, de calar e apenas ouvir, porque muitas vezes temos o hábito do barulho, da conversa em excesso, e não conseguimos fazer algo simples: silêncio. Se fizermos mais silêncio nas casas, poderemos ter a oportunidade de ouvir melhor nossas rezas, poderemos observar como se comporta aquele egbomin que é o xodó e o braço direito da casa, ou aquele ogã, aquela ekedi que está sempre auxiliando junto ao nosso zelador, e que sabe como se portar diante de cada situação. Li num texto de Rubem Alves sobre a necessidade do silêncio, ele conta nesse texto a rotina de um mosteiro onde todos se reúnem uma vez no dia, ouvem uma frase e passam o dia a refletir sobre aquela frase.

Na nossa sociedade quando você diz algo, o outro imediatamente responde, arremata com outra frase, emenda para outra conversa, talvez esse seja um fator limitante ao nosso crescimento pessoal. A cultura de pouco uso da audição: temos dois ouvidos, uma boca e usamos mais boca que os ouvidos… Será que é por acaso que temos dois ouvidos? Não se enganem, somente quem sabe fazer silêncio é que merece e recebe confiança no candomblé, e que consegue absorver mais conhecimento.

Não estou pregando que todo mundo fique mudo, mas que aprenda a fazer silêncio nos momentos necessários e que saiba que candomblé não é lugar para fazer grandes amizades, nem se relacionar com ninguém do sexo oposto. Candomblé é família, ali todos somos irmãos, pais, mães e filhos e essa deve ser a visão. Temos já tanto contra nossa religião, as exigências de não-relacionamento são justamente para proteger não apenas uma casa, mas toda a religião.
Não sou contra o casamento de pessoas que freqüentam a mesma casa, acho até interessante que a família seja unida na questão religiosa, mas é preciso saber como conduzir as coisas. Existe uma ética por trás de cada exigência que nos é feita. A falta dessa orientação de como conduzir-se na casa, na maior parte das vezes é reinante. E talvez tenhamos esse grande problema de desorientação dentro da casa por causa dos malfadados dekás e por causa da pressa de iniciar-se e de iniciar alguém.

Como cansamos de dizer, a maior parte das pessoas não devia receber autorização ao sacerdócio, devia ficar em sua casa e auxiliar os mais novos, e com a entrega desenfreada de dekás temos casas carentes de egbomins. Eles têm uma importância dentro de uma casa e esse papel de difundir um “código de conduta” com certeza seria deles. Além disso, temos pessoas inexperientes na religião que se iniciam sem nunca terem participado de uma roda, que não param para pensar que antes de se iniciar, é necessário aprender, observar.

Nesse ínterim percebemos a importância da fase de abiã, nessa fase aprendemos como nos portar, onde sentar, com quem esclarecer dúvidas, como abordar o zelador, qual comportamento diante de uma ekedi, de um ogã, de uma egbomin? Como as yawós se comportam? Você passa a observar como será seu comportamento após a iniciação. A irresponsabilidade de iniciações prematuras também é dos zeladores que não avaliam o que aquele abiã aprendeu até ali, não seria necessário ser abiã por mais tempo? O que ele sabe, e o orixá dele? Muitas vezes se fecha os olhos para vários aspectos que devem ser analisados antes de enfiar alguém no roncó para uma iniciação.

Essa falta de análise pode trazer mais problemas que soluções para o recém iniciado, por isso não se pode iniciar quem quer ser iniciado, não basta querer é preciso iniciar quem está à altura desse passo. Quem está preparado, e tem certeza e convicção de que este é o caminho, mas uma certeza devido a uma experiência na casa, uma experiência que deve ser de algum tempo de convívio com aquela comunidade.

Vemos pessoas que não aprovam o sacrifício (doação) do animal, que são iniciadas e querem mudar os fundamentos para continuar na religião, outros que acham que o zelador tem que estar à disposição para resolver problemas de todos os yaôs, outros que acham que podem se sentar em cadeiras dentro do axé, outros que acham um absurdo não poderem conversar com alguém do sexo oposto na casa de axé. Esses exemplos, e muitos outros que poderíamos citar, surgem devido a uma coisa: pessoas que não viveram a fase de abiã, e não foram orientadas como todo abiã deve se portar.

Por isso meus irmãos que dizemos sempre: não tenham pressa de se iniciar, vivam cada momento de abiã, de yaô, de apontado e de confirmado e principalmente, aprendam observando. Evitem receber um coió em público, que seja outro a receber que não você.

Um comentário:

  1. Vdd, estou vivendo isto...no mru terreiro muita fofoca, um fala do outro, falta esclarecimento, postura das yawos, panelinhas, proteção a alguns e desprezo com outros, falta de organização com calendários de festas e arrecadação, muita exigências com alguns e bajulações com outros. Estoy triste e magoada, pois gosto do chão, amo meus orixas...mas não me vejo maus em um lugar onde não sou bem vinda, onde me olham com olhos de desdém.

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